sexta-feira, 21 de maio de 2021

NA VOLTA DA MARÉ - Joana Amendoeira

 

 


Talvez nunca tenha havido outro período na música portuguesa tanto a popular quanto a tradicional, com tantos músicos e cantores talentosos reunidos simultaneamente, a ponto da cena musical lusitana assemelhar-se ao firmamento, tamanha a quantidade de estrelas que brilham por lá.

Dentre tantas, porém, uma delas se destaca por seu imenso brilho próprio. Joana Amendoeira tem todas as qualidades das grandes cantoras populares: domínio impecável da técnica vocal, uma belíssima voz que é, ao mesmo tempo, doce e poderosa, e uma interpretação sincera, cheia de alma e emoção, que fala diretamente ao coração de seus ouvintes.

E podemos conferir todo esse talento em seu mais recente álbum, o décimo de sua carreira, Na Volta da Maré.

Ao contrário de seus discos anteriores, Na Volta da Maré não é um disco de fado, embora haja muito do fado nele. Como a própria Joana define, este é um “disco atlântico”, que combina tradições musicais portuguesas, brasileiras e africanas, com um resultado belíssimo, feito em parceria com os compositores Tiago Torres da Silva (letras) e o brasileiro Fred Martins (músicas).

A variedade de estilos do álbum é enriquecedora, e exalta toda a versatilidade de sua intérprete.

Na Volta da Maré, que abre e batiza o álbum remete à fusão de estilos popularizada pela banda Madredeus anos atrás, mesclando elementos do fado, da música erudita e da world music. Mas é uma canção essencialmente portuguesa em seus temas, que falam de amor, saudade e do mar, sempre presentes na alma portuguesa.

É possível deleitar-se com esta mesma fusão de estilos em outras faixas, como a deliciosa e alegre Entre o Calor e o Frio (que conta com uma tradicional viola caipira brasileira), na delicada e comovente Todas as Ondas do Mar e, principalmente, na divertida Canção Imoral, na qual Joana divide os vocais com Fred Martins e Mart’nália.

A Dor e o Prazer é um bolero que fala de como, às vezes, amor e sofrimento caminham lado a lado.

Joana e sua banda também mostram toda sua versatilidade e virtuosismo ao brindar os ouvintes deste lado do Atlântico com ritmos tradicionais brasileiros.

Pequenos Nadas é uma deliciosa marchinha (ritmo brasileiro que, por sua vez, teve origem nas marchas populares portuguesas) cantada em dueto com Fred Martins. O Melhor de Mim é “quase” um choro, no qual se destaca o clarinete de Nilson Dourado. Além disso, as canções Viver a Mil, Só Falta Esquecer, e O Que Tenho Para Ti evocam o melhor da MPB tradicional.

Mas é claro que o fado, berço musical de Joana Amendoeira, não poderia ficar de fora, fazendo-se presente em duas faixas, O Medo — um fado tradicional cuja interpretação nos remete à rainha Amália Rodrigues — e Qualquer Lugar.

O álbum ainda conta com a participação de Pedro Amendoeira (guitarra portuguesa), João Filipe (violão clássico), Carlos Menezes (contrabaixo), Ruca Rebordão (percussão), Fred Martins (vocais, violão, cavaquinho e cuatro) e Nilson Dourado (guitarra, viola caipira, clarinete e escaleta).

O disco, lançado no dia 14 de maio, está disponível nas lojas e em todas as plataformas de streaming de música.

Além disso, Joana e sua banda fizeram um maravilhoso concerto de lançamento do álbum, disponível em seu canal oficial no YouTube:



 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Resenha: Hell Spawn, de Declan Finn


O detetive da Divisão de Homicídios da NYPD, Thomas Nolan, não é um policial comum. Em uma profissão famosa por transformar idealistas em cínicos e fomentar crises pessoais, ele consegue manter sua fé em Deus e na humanidade. Ele é um homem decente e honesto, que acredita na lei e na ordem. E além de ser católico romano praticante - e justamente por isso - ele consegue ver muitos dos criminosos com os quais lida diariamente em seu distrito no Queens como pessoas essencialmente boas que se desencaminharam em decorrência de decisões ruins tomadas ao longo de suas vidas. Ao contrário de muitos outros protagonistas de dramas policiais, que tendem a ser violentos ou desajustados, Thomas Nolan é um santo. 

E, neste caso, literalmente: durante o que parecia ser mais um dia de trabalho, Thomas passa a desenvolver certos dons ou carismas comuns aos santos, como bi-locação e capacidade de sentir presenças sobrenaturais através de seu olfato - habilidades que lhe serão muitos úteis na investigação de uma série de assassinatos incomuns e ritualísticos que vêm ocorrendo no Queens. 

Com uma fantástica mistura de drama policial, terror e fantasia urbana, o autor Declan Finn apresenta o primeiro livro da série Saint Tommy, NYPD, publicado em novembro de 2018 e que já conta com sete volumes (o oitavo será lançado no final de janeiro de 2021).

O livro é narrado em primeira pessoa, com um estilo fluido e agradável, diálogos bem construídos e personagens com personalidades definidas e distintas, como o parceiro de Nolan, o detetive Alex Packard, que é dotado de um senso de humor sarcástico e, por vezes, bastante debochado. 

O autor também consegue transmitir de maneira bastante palpável a sensação do mal que espreita sobre Nolan e sua vizinhança, e suas descrições de pessoas e locais são sempre vívidas e detalhadas. 

Por exemplo, a cidade de Nova York, mais precisamente o distrito do Queens, onde o protagonista (e também o autor) vive e trabalha, é mostrada de maneira fiel e precisa, não apenas em seu aspecto urbano e arquitetônico, mas em suas características comunitárias bastante peculiares e completamente diferentes de Manhattan, por exemplo. As cenas de crime são descritas com detalhes suficientes para mostrar ao leitor todo o horror de um homicídio, mas sem jamais exagerar na sanguinolência e nunca de maneira mórbida. 

As cenas de luta e ação - e há várias delas em todo o livro, que vão desde brigas até tiroteios cinematográficos - são bastante viscerais, até pelo fato do detetive Nolan ser praticante de Krav Magá, um estilo de luta voltado a colocar seu oponente fora de combate da maneira mais rápida possível - porém reconheço que as descrições de lutas golpe a golpe podem ser um tanto quanto cansativas para alguns leitores.  

Como tanto o protagonista quanto o autor são católicos, essa visão de mundo cristã se faz presente em todo o livro, mas sempre de maneira natural ao personagem. Em outras palavras, não há "pregação" na história, e acredito que leitores de outras fés ou crenças não terão problema algum em apreciá-lo. 

Em suma, Hell Spawn é recomendo para quem procura uma excelente mistura de fantasia urbana, horror e drama policial, com um protagonista simpático, decente e honrado.